Em uma noite auspiciosa resolverei sair pra balada e encontrarei o amor da minha vida - amor este que se diferirá daquele recorrente de uma típica brincadeira que meus amigos bem conhecem.
No momento em que entro na fila ela me notará, ficando meio embaraçada com a
súbita troca de olhares, como se tivesse sido surpreendida por algo, e como se
quisesse dizer alguma coisa diante de aprazível surpresa, mas não tivesse
coragem.
Conversando com amigos, sentirei a vontade de olhar novamente para ela, meio de
rabo de olho, como se também quisesse dizer alguma coisa, mas por algum motivo
minha afoiteza característica não estará comigo. E assim, sem palavras, a
gente dirá muita coisa ao outro.
Essa música começará a tocar.
Já dentro da balada, ela me olhará do alto da escada. Retribuirei o olhar, deixando-a tímida. Sem jeito, ela desviará o olhar e voltará a atenção para as amigas. Subirei a escada como se estivesse procurando algo, quando na verdade estarei procurando alguém. Entrarei na sala e irei até um espaço mais vazio. Fingirei estar me livrando da multidão com o intuito de ver se ela aparece para que eu finalmente possa puxar assunto de forma mais confortável, sem pessoas ao redor. Sou leonino e não gosto de dividir atenção nessas horas. Caso fosse um fumódromo e eu fumasse, acenderia um cigarro para conter a terrível ansiedade. Não será o caso.
Mesmo depois da espera, ela não virá ao
meu encontro e apesar do motivo ser óbvio, eu não entenderei. Já desistindo, eu sairei
da sala e irei ao bar, com o intuito de pegar uma cerveja e reencontrar os meus
amigos. Quando finalmente o bartender atender a última pessoa antes de mim, uma
figura furará a fila descaradamente. Ficarei indignado com
a mulher, mas logo perceberei que é a mulher. Resolverei poupá-la de teorias
éticas de balada, porque alguma coisa de peculiar deve haver para nos cruzarmos
fisicamente, após nossos olhares já o terem feito anteriormente como tácita
função fática. Não poderia ser simplesmente eu chegar nela num canto qualquer e
dizer: e aí guria, qual teu nome, vamos dançar? Simplesmente não
funcionaria. O encontro com o amor da vida tem que ser algo meio bizarro,
esdrúxulo e quase irônico, levando em consideração que tal atitude normalmente me irritaria, mas não vindo dela.
Riremos um da cara do outro, pois ela perceberá que eu não me incomodei, como ela imaginava. Ela pegará sua bebida e olhará para trás. Subitamente
nessa hora minha vontade de pegar uma cerveja passará, convencendo-me de que a
bebida às vezes nada mais é que mero pretexto para os chamados da psiquê. Psi...
o que mesmo?
Notando que ela deixou de lado sua timidez inicial, serei caloroso em minhas
palavras e puxarei papo. Nos deslocaremos para um local mais apropriado e lá teremos uma longa conversa: descobrirei que ela está se formando
em algum curso interessante, do qual não possuirei conhecimento algum, sendo
oportunidade para demonstrar legítimo interesse e aprender uma coisa ou outra.
Descobrirei que conhecemos pessoas em comum e soltaremos quase que de forma uníssona o clássico: "não acredito que você conhece tal pessoa!" , que moramos não muito longe um do outro, que ela também gosta
de correr no final da tarde, ama comida japonesa e é fascinada
por história, cinema e literatura, que ela se diverte indo a baladas da boa música
eletrônica e que ela adoraria fazer uma tatuagem nas costas e outra na costela. Aproveitarei para sugerir um tatuador amigo e conversar sobre alguns símbolos e ideologias com o intuito de dar ideias para o desenho. E depois de saber tudo, ou quase tudo, não teremos
coragem de perguntar o nome um do outro. Será como se já o soubéssemos.
Depois dessa conversa que durará horas com força de minutos, sentaremos num sofá
vendo as pessoas indo e vindo e, num misto de tédio e oportunidade, iremos nos
entreolhar procurando respostas para um silêncio eloquente que nos formulará a
famosa pergunta silenciosa: e aí? E aí nos beijaremos e nos
sentiremos por tempo o bastante para percebermos que a resposta não poderia ser
mais certa.
Nós conversaremos mais, mais e mais, num ciclo aparentemente infinito de
assuntos. Pegarei seu telefone e mandarei uma mensagem no whatsapp depois
do almoço do dia seguinte. Combinaremos de sair e ficaremos mais e mais vezes e
em breve nos descobriremos apaixonados. No entanto, perceberemos ser uma paixão
diferente da que ambos sentimos até então. Iremos a vários shows legais de
artistas que ela gosta e de bandas adolescentes das quais serei eternamente fã.
Pediremos um ao outro em namoro na fila do bar, talvez o mesmo bar daquela balada. Conhecerei
a família dela e descobrirei que seus pais e irmãos, até então muito ciumentos,
gostaram do papo e me elogiaram para ela.
Após um tempo,
compraremos um apartamento juntos e para lá nos mudaremos. Daremos uma festa de
casamento muito boa, com músicas escolhidas a dedo e nossos queridos amigos da
vida inteira nos prestigiando. Trocaremos alianças bebendo champagne.
Viajaremos em lua de mel pelo Japão, na primavera. Almoçaremos num restaurante
típico e afastado, conversando sobre o quão belas são as cerejeiras, o que nos fará refletir sobre a perfeição da vida. Olharemos um para a cara do outro como
dois bobos. Se estivermos sérios, riremos. Se já estivermos rindo, riremos de
novo por já estarmos rindo.
Teremos filhos(as) lindos e por eles, para eles e por nós teremos
trabalho, mas o de nossos sonhos. Teremos também cumplicidade. Teremos brigas, só para que de vez em
quando sintamos a medida da realidade e lembremos que ainda formamos um casal,
uma família. E teremos reconciliação, para nos convencermos de que somos mais
fortes e que os desafios da vida só terminam com a morte.
Envelheceremos juntos e zoaremos os primeiros fios de prata na cabeça um do
outro, quando o primeiro se sobressair na alvura do travesseiro e despertar-nos
da maravilhosa loucura chamada juventude.
Já na meia idade, tomaremos chá de lichia ao conversar com nossos
filhos sobre seus planos de vida, incentivando-os a fazer o que amam. Viajaremos para diversos países da Europa e nos deliciaremos com um chocolate quente de um bistrô enquanto neva lá fora, tornando o
dia cinza e belo. Prepararemos juntos o jantar, pois ficaremos cansados depois de um
longo dia de caminhadas e, após ficarmos hipnotizados ao vislumbrar uma aurora boreal no
teto do mundo, dormiremos sob o cobertor, abraçados, pois o frio da neve
servirá como escusa para estarmos mais próximos.
No dia seguinte eu acordarei primeiro e ficarei contemplando sua beleza e
acariciando sua nuca macia e suas belas costas de pele lisa, admirando a
tatuagem que fora escolhida depois de tanto conversarmos naqueles tempos
longínquos. Refletirei sobre como foi possível aprender tanto com uma pessoa e o quanto ela esteve presente na minha vida.
E na hora da morte, fato que invariavelmente virá, terei a certeza de que ela
foi o amor de cada um dos meus dias, do primeiro em que a conheci numa fila qualquer até
o último em que com ela estive. E então, somente então, como de
fato parece ser o conceito de "amor da sua vida", descobrirei que foi
ela o meu.
Só não sei seu nome, ainda.
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