sábado, 22 de agosto de 2015

"Governar sua Própria Existência"

Vocês estão prestes a ler um texto de uma pessoa que me traumatizou muito. Mas antes, um prefácio de sua influência em minha vida.

A autora - traços nítidos de insanidade.



Devo ter conhecido a Maria Clara provavelmente no auge dos meus cinco dias de idade.

- Será que se eu cutucar esse bebê na barriga ele chora?

Eu esperneei, para seu deleite.

Acredito que ela sempre teve um prazer maligno em se aproveitar da minha inocência pueril de filho único mimado. Foi graças a ela que conheci o significado da palavra bullying (antes mesmo dela ter se tornado mainstream).

Já com uns seis anos, no rigorooooso inverno campo grandense, fui vestindo uma TOUCA ao almoço dominical de família italiana na casa de nossos avós.

- Nossa Leonardo, que radical a sua touca.
- O que é radical?
- Você nunca vai saber. Mas é radical, cara.

"Tenho certeza que significa algo horrível. Nunca mais vou usar toucas. Bosta."

Não bastasse a prima ser mais velha e me pressionar com sua maturidade, ela contava histórias tranquilas e adequadas para o público infantil quando dormíamos juntos na fazenda de nosso avô: Sobre cobras que entrariam pela janela com o único intuito de picar o meu pé enquanto eu dormia; a guria que morrera queimada numa casa abandonada no meio do mato, sendo folclórico para todos da região que seu espírito rondava pela fazenda; e sobre como aqueles psicopatas que apareciam no Linha Direta estariam me caçando e me encontrariam - caso eu fosse ao banheiro sozinho.

Traumas inesquecíveis.

Os anos voaram, nos separaram e muita coisa (boa, ruim e péssima) aconteceu na minha vida.

Já com meus 18 anos, quase levei um soco dela por ter dado em cima de sua melhor amiga, que namorava, numa ceia de natal.

- Leonardo, ela namora.
- ...
- LEONARDO!

Traumas!

Nos vimos cada vez menos quando ela começou a se mudar: Brasília, Estados Unidos, Plutão (que já não é mais um planeta) e Bielorrússia. Não importava: a loucura inerente ao nosso sangue nos tornou cada vez mais próximos.

Agradeço por tudo. Cada susto, brincadeira, bronca e trauma. 

Ela faz parte da pessoa que sou hoje.

Cada conversa hiperativa em CAPS LOCK (com ela me entendendo instantaneamente e vice-versa) me faz lembrar desse vínculo existente entre nós que, com certeza, é uma das coisas mais bonitas e puras que eu já senti. Ainda assim, eu esqueço do aniversário dela e ela do meu.

Sem mais delongas, o texto abaixo conta um pouco da história dela e faz uma reflexão sobre essa energia que existe dentro de nós, bem como a forma que ela decidiu se aproveitar disso para se tornar quem ela é - um ser inacreditável que eu muito admiro.

O CONTROLE 1 DO VÍDEO GAME CONTINUA SENDO MEU. (e essa música é você)



Pai, lembra quando você me atropelou em frente à escola? Minha mãe gritando e você "que foooooi, mulher?". E eu estava APENAS com o pé sendo esmagado por um Fiat Tipo de uns 800Kg. Você se sentiu um merda e eu me senti o máximo. Meus colegas de escola pasmos e eu só dizia: "nem doeu".

Mãe, lembra aquela vez que não tinha ninguém pra ficar com a gente em casa e entrou um ladrão? Dei de cara com o moço pendurado na sacada da sala. Corri com o Pê pro banheiro, me tranquei e deitei no chão (para os tiros da metralhadora não me acertarem, claro). Vocês se sentiram culpados e eu me senti guerreira. Meus colegas da escola chocados e eu só dizia: "antes de correr para o banheiro, salvei meu irmão mais velho".

Pai, lembra quando você foi soltar fogos com o Pedro na fazenda? O rojão estava ao contrário e explodiu na mão dele. Você se sentiu péssimo mas o Pê se sentiu corajoso. Ele conta essa história sorrindo até hoje.

E o dia que eu desmaiei por causa da dengue? Desmaiei tranquila no seu colo - meu pai é médico, vai ficar tudo bem. Acordei com você berrando desesperado "PEDRO, SOCORRO! SUA IRMÃ DESMAIOU". Mano, você tinha uns 12 anos e assistia Chiquititas escondido comigo #quédizê. Para completar levei uma bronca:

- Maria Clara, você não pode desmaiar!

Realmente, papai. Eu errei. Além de contrair propositalmente essa DST chamada dengue, decido desmaiar para ratificar seu CRM. Surpresa! Depois você se acalmou e chegou em casa com todas minhas comidas preferidas, claro. Nunca mais desmaiei. Muito menos voltei a fumar Aedes aegypti.

O ponto é: alguns erros foram os maiores acertos de vocês. Ouvi a vida inteira que vocês não me colocavam limites e hoje vejo que isso me fez encontrar os meus próprios. Tanta gente me dizendo: "você precisa colocar o pé no chão" enquanto meu pai só repetia: "minha filha, o céu é o limite".

Tudo bem que para chegar até aqui precisei tacar uma bexiga cheia de farinha no ventilador do colégio, fugir de casa aos 5 anos de idade com meu urso de pelúcia e ser expulsa de vários colégios. Mas como seria diferente? Vocês me encheram de coragem para o mundo, oras.

Pai, você não seria o melhor pai do mundo se não me atropelasse ou se não me esquecesse na escola frequentemente. Mãe, você não seria a melhor mãe do mundo sem passar pasta de dente na minha queimadura ou se deixasse de rir toda vez que eu faço alguma cagada.

Vocês são os melhores por serem vocês. Só assim aprendi a ser eu. Aprendi a rir da maioria dos meus defeitos e erros (e dos de vocês). Aprendi a viver antes de opinar "a regra é experimentar". Aprendi a respeitar as dificuldades de cada pessoa. Aprendi que dizer "você precisa mudar; você faz tudo errado; você não sabe; você é desastrado; você chega atrasado" é a forma mais efetiva de desencorajar alguém.
Aprendi que vocês também têm muito para aprender.

Todo mundo agradece aos pais pelos acertos e hoje quero agradecer pelos erros. Obrigada por mostrarem o quanto eles são importantes também.