Nesse final de semana fui a um churrasco e, ao tirar a camiseta devido ao clima ameno de Campinas dos últimos dias, fui questionado sobre o significado da minha tatuagem das costas.
Tenho tatuadas as virtudes que servem como base para a filosofia samurai que se originou no Japão medieval, enquanto a Europa se encontrava mergulhada na Idade das Trevas. Normalmente tento explicar que a tatuagem não se trata uma receita fácil de temaki, dando uma ideia superficial dos conceitos básicos de tal filosofia que tento (ênfase no verbo TENTAR) aplicar na minha vida. Resolvi escrever hoje um pouco mais sobre esse assunto que tanto me fascina.
Um breve resumo da história dos Samurai
Samurai na década de 1860
A palavra samurai originalmente significava "aquele que serve", e se referia aos homens de nascimento nobre designados para proteger os membros da Corte Imperial japonesa desde o século VII D.C. Essa ideia de "serviço" gerou as raízes da "nobreza samurai", tanto social como espiritualmente.
Ao longo do tempo, a nobreza teve problemas para manter o controle centralizado da nação e começou a "terceirizar" tarefas militares, administrativas e de coleta de impostos aos seus antigos rivais que atuavam como governadores regionais.
Conforme a Corte Imperial foi se tornando mais fraca, tais governadores locais tornaram-se mais poderosos. Eventualmente alguns evoluíram para Daimyo (uma espécie de senhor feudal do japão medieval) que governavam territórios específicos de forma independente do governo central.
Em 1185 Minamoto no Yoritomo, um daimyo das províncias orientais (que traçou sua linhagem de volta à família imperial), após a Guerra Genpei, estabeleceu o primeiro governo militar do país (com Minamoto como Shogun) e o Japão entrou no seu período feudal (1185-1867 D.C.).
O país funcionou essencialmente sob o regime militar por quase 700 anos, mas a estabilidade inicial que Minamoto havia alcançado não trouxe uma paz duradoura. Outros regimes iam e vinham, e em 1467 o governo militar nacional caiu, mergulhando o Japão no período mais turbulento de sua história - o Sengoku Jidai.
Assim começava mais de um século de lutas sangrentas, quando daimyos lutavam para proteger os seus domínimos e planejavam conquistar seus rivais. No momento em que o Japão mergulhou nesse período turbulento de guerras, o termo samurai havia tomado o conceito de funcionários armados do governo, oficiais de manutenção da paz e soldados profissionais. Em suma, quase qualquer um que carregava uma espada e estava pronto e capaz de exercer força letal.
Os piores desses guerreiros japoneses eram pouco melhores do que bandidos de rua; os melhores foram ferozmente leais aos seus mestres e fiéis ao código não escrito de comportamento cavalheiresco hoje conhecido como Bushido (geralmente traduzido como "Preceitos de Cavalheirismo" ou "Caminho do Guerreiro").
Virtuoso ou vilão, o samurai surgiu como a figura central da história japonesa: um arquétipo romântico que lembra os cavaleiros medievais da Europa (mas que possui ideologia bem distinta).
Os samurai mudaram drasticamente após Tokugawa Ieyasu ter vencido a guerra do período Sengoku e pacificado o Japão em 1600. Com a sociedade civil em paz, seu papel como lutadores profissionais foi substituído pelo desenvolvimento espiritual, artístico, pelo magistério e treinamento marcial.
Em 1867, com a queda do shogunato Tokugawa e o advento da restauração Meiji (tema do filme "O Último Samurai"), o porte público de espadas foi proibido e a classe guerreira foi abolida. A partir deste ponto os samurais entram para a história...
O Código do Bushido
Apenas algumas décadas após a abolição da classe guerreira do Japão, o então presidente dos EUA, Theodore Roosevelt, ficou entusiasmado com um recém-lançado livro intitulado Bushido: A Alma do Japão. Ele comprou cinco dúzias de cópias para a família e amigos. Tal livro passou a se tornar um best-seller internacional, no qual o autor Nitobe Inazo interpreta o código samurai de comportamento: como os homens devem agir em suas vidas pessoais e profissionais.
O trabalho de Nitobe se baseia em extraordinários preceitos de conduta que se originaram do comportamento dos samurais que levavam a filosofia a sério. O que os leitores de hoje podem achar mais esclarecedor sobre Bushido é a ênfase na compaixão, benevolência e as outras qualidades não marciais da filosofia, das quais falarei a seguir:
I. Retidão ou Justiça
O Bushido não se refere apenas à retidão marcial, mas também a pessoal: Retidão ou Justiça é a virtude mais forte da filosofia. Um famoso samurai a define assim: Retidão é seu poder para decidir sobre uma linha de conduta de acordo com a razão, sem vacilar; morrer quando se deve morrer, atacar quando se deve atacar. Outro o faz nos seguintes termos: Retidão é o osso que dá firmeza e estatura. Sem ossos a cabeça não pode descansar em cima da coluna, nem mãos se movem, nem pés suportam. Assim, sem justiça, nem talento nem aprendizagem podem tornar o corpo humano em um samurai.
II. Coragem
A coragem é uma extensão da justiça e só é útil quando combinada com a moral correta. Coragem é digna de ser contada entre as virtudes apenas se for exercida em prol da justiça e retidão, sendo completamente dependente da virtude anterior. Em seus Analectos, Confúcio diz: Perceber o que é certo e não o fazer revela a falta de coragem. Em suma, coragem é fazer o que é certo.
III. Benevolência ou Piedade
De um homem investido com o poder de comandar e matar era esperado que demonstrasse poderes igualmente extraordinários de benevolência e misericórdia: amor, magnamidade, afeto pelos outros, simpatia e piedade são traços da benevolência, o maior atributo da alma humana. Tanto Confúcio como Mêncio disseram diversas vezes que a maior exigência de um governante dos homens é a benevolência.
IV. Polidez
Discernir subserviência de polidez pode ser difícil para os visitantes casuais do Japão, mas para uma pessoa consciente a cortesia está enraizada na benevolência; Cortesia e boas maneiras são notadas como traços distintos dos japoneses pelos estrangeiros que visitam o país. No entanto, a polidez deve ser a expressão de uma relação benevolente para os sentimentos dos outros; é uma virtude pobre se motivada apenas pelo medo de ofender o bom gosto. Na sua forma mais elevada, a polidez se aproxima do amor.
V. Honestidade e Sinceridade
O Samurai não mentia, havendo diversos contos daqueles que foram condenados à morte por fazê-lo. O Samurai também não via a necessidade de contratos escritos, pois isso seria duvidar da veracidade de suas palavras.
Além disso, o verdadeiro samurai, segundo o autor Nitobe, desdenha dinheiro, acreditando que: os homens devem ter aversão ao dinheiro, pois a riqueza dificulta a aquisição de sabedoria. Assim, as crianças do alto escalão samurai foram criadas para acreditar que falar sobre dinheiro demonstrava mau gosto e que a ignorância do valor das diferentes moedas mostrava boa educação: o Bushido encorajava a frugalidade, não por razões econômicas, mas para o exercício da abstinência. O luxo era visto como a maior ameaça para a humanidade e a simplicidade era um requerimento da classe guerreira.
VI. Honra
Provavelmente o conceito mais profundo do Bushido é a honra. O senso de honra, uma consciência viva da dignidade pessoal e valor, caracterizava o samurai. Ele nasceu e foi criado para valorizar os deveres e privilégios de sua profissão. O medo da desgraça pairava sob a cabeça de todo samurai como uma espada. Ficar ofendido com pequenas provocações era motivo de ridicularização naquela sociedade (ser chamado de pavio curto era muito grave). A verdadeira paciência significa suportar o insuportável.
VII. Lealdade
A lealdade era tida como mais valiosa do que a própria vida. Os verdadeiros homens permanecem fiéis àqueles a quem são endividados (no sentido afetivo - amizades e relacionamentos - como também no vinculado à honra): Lealdade a um superior era a virtude mais distintiva da era feudal. Existe fidelidade pessoal entre todos os tipos de homens - uma gangue de batedores de carteira jura fidelidade a seu líder, mas somente no código de honra que a lealdade assume extrema importância.
VIII. Caráter e Auto-controle
O Bushido nos ensina que os homens devem se comportar de acordo com um padrão moral absoluto, que transcende a lógica. O que é certo é certo, o que é errado é errado. A diferença entre o bem e o mal e entre o certo e o errado são dados e não argumentos sujeitos a discussão ou justificação - a pessoa deve saber a diferença por si só.
Finalmente, é a obrigação de um homem ensinar a seus filhos os padrões morais através do modelo de seu próprio comportamento: O primeiro objetivo da educação samurai era construir o caráter, sendo que as faculdades mais sutis de prudência, inteligência e dialética eram menos importantes. A superioridade intelectual era estimada, mas um samurai era essencialmente um homem de ação.
Aplicação na Vida
Acredito que tais lições, apesar de extremamente complexas e, por conta disso, exigentes de esforço para sua real compreensão, sejam úteis para nos tornarmos pessoas melhores e atingirmos paz de espírito (a real felicidade, na minha opinião). O mundo moderno é imediatista e, pelo menos aqui no Brasil, percebo que as pessoas não têm se preocupado em refletir sobre suas ações e condutas, vivendo o presente de forma desenfreada, sem se preocupar com seu aprimoramento pessoal e sem pensar de fato no que está acontecendo ao seu redor, enquanto deveria aproveitar ao máximo cada momento.
"Se alguém entende plenamente o presente momento, não haverá mais nada a se fazer, e nada mais a perseguir. Viva sendo fiel ao propósito único do presente momento." - Yamamoto Tsunetomo