quarta-feira, 29 de outubro de 2014

Chega de Intolerância e Ódio.

Estamos na reta final do ano 2014. Sobrevivemos à copa e às eleições. Vimos nascer um embate político "individualista democrático" nunca antes visto na história desse país. Apesar da nossa nova democracia ter apenas 28 anos (26 com a Constituição), era de se esperar que nós brasileiros já tivéssemos maturidade suficiente para prezar pelo seu bom desenvolvimento. No entanto, é só abrir qualquer rede social ou ouvir a conversa política dos outros num bar ou café para se deparar com assuntos que envolvem golpe, impeachment e movimentos separatistas, num claro discurso que incentiva a cegueira coletiva que deslegitima o resultado adverso. Durante esse segundo turno, ambos os lados se comportaram como torcedores de futebol, não bastando a mera expressão de voto - mas sim eliminar o concorrente - tudo isso pautado na arrogância, intransigência e incapacidade do eleitorado de julgar as candidaturas pelas suas propostas e projetos, levando em consideração apenas o partido ou sua imagem.



Aparentemente a expansão democrática incomodou bem alguns grupos, tendo em vista a enxurrada de manifestações de ódio pelas ruas e redes sociais. Até parece que um país, com proporções territoriais continentais como o nosso, é pequeno demais para todos - uns acreditam que merecem morar no suposto paraíso que é Miami, enquanto outros defendem que deveriam mandar uma penca de nordestinos para Cuba. Se faz conveniente lembrar da definição de Jacques Ranciére para a democracia: "(...) longe de ser a forma de vida dos indivíduos empenhados em sua felicidade privada, é o processo de luta justamente pela ampliação dessa esfera, para a pública."

Portanto, se nos pautarmos nos ensinamentos do filósofo francês, nada justifica a falta de respeito e cidadania com os demais da forma como temos visto. Consciência política independe de renda, etnia e estado de origem. Há pessoas que creem deter o monopólio da razão, ampliando ainda mais o apartheid socioeconômico que ainda vivemos. O que vivenciamos não é apenas um embate eleitoral, entre amigos, compatriotas, ideologias e classes. É uma desunião completa gerada pela ausência de uma identidade coletiva, como bem salientou Vladimir Safatle.

Analisemos argumentos contrários ao celeuma existente sobre a participação social na escolha de um governo: A participação popular não se opõe à democracia, sendo sua consequência direta. Participação popular não se opõe à tomada consequente e bem informada de decisões, é o seu requisito. Aparentemente o parágrafo único do primeiro artigo da nossa Constituição Federal de 1988 ("Todo o poder emana do povo, que o exerce por meio de representantes eleitos ou diretamente, nos termos desta Constituição.") é tão somente uma declaração solene, uma vez que o discurso atual nos remete ao domínio histórico das decisões tomadas numa política oligárquica por grupos minoritários, mas extremamente influentes, que procuram deter, de forma elusiva, o poder soberano. Essa é a única razão pela qual consigo enxergar o porquê haver tanto ódio rechaçado em cima de alguns eleitores de 2014.

Observamos que alguns não se libertaram do egoísmo social preconceituoso, ressentido e revestido com essa roupagem histórica. Xingar o país, clamar por impeachment, separação armada e boicote ao governo recém eleito democraticamente é apenas a ratificação deste individualismo nocivo. A eleição da Dilma não é o ideal, como muitos sabem que eu defendo. No entanto, é preciso reconhecer que o status quo que perdurou no Brasil em mais de 500 anos de história mudou com o governo petista - sendo que tal mudança foi benéfica para a maioria, apesar do apertado resultado do último Domingo. Talvez o maior argumento dos "miamistas" seja o crescimento econômico, sendo que de economia mal entendem, e se entendem, defendem apenas sua riqueza com o logro do pretenso interesse de muitos. Do que adianta defender crescimento econômico com concentração de renda, especialidade condizente com os padrões de desigualdade e acumulação?

Há aqueles que praticam o absurdo de comparar o atual governo à ditadura. Entre 1964 e 1985, o Brasil vivenciou o período militar que impôs terrorismos de Estado, censura, arbítrio e crimes contra os direitos humanos mais básicos. Em tal período a economia nacional crescia às custas de pesado endividamento externo e submissão à Casa Branca. Delfim Neto proferiu a famosa frase "crescer o bolo para depois repartir", o que incita a reflexão: a que custo buscamos o desenvolvimento econômico? André Singer, professor da USP, em seu livro "Os Sentidos do Lulismo" afirma que apenas em 2016 atingiremos os níveis de distribuição de renda próximos àqueles que vigoravam em 1964, o que efetivamente significa que em 50 anos crescemos, concentramos muita renda e excluímos muito os pobres da política e da economia. As pessoas não podiam expressar sua opinião nem esperar por mudanças, com centenas de casos de assassinatos, desaparecimentos e torturas para que nós pudéssemos escolher o futuro da nação nesse último domingo, pela sétima vez. Me espanta que pessoas se achem no direito de estar de "luto" pelo simples fato da maioria do país ter chegado a um consenso constitucional e democraticamente garantido e legitimado que não vai ao encontro de seus interesses mesquinhos.

Passando o foco para os ditos "separatistas", os quais afirmam que o bolsa-família é compra de votos: é de conhecimento geral que programas sociais são importantes e necessários, como a própria ONU afirmou. Não acho que a solução seja acabar com eles, mas sim definir uma estratégia para que eles se tornem desnecessários ao longo dos anos, com uma política educacionista que diminua a níveis aceitáveis a monstruosa desigualdade existente em nosso país. Desconstruo outro argumento comum dos "separatistas": "Nordestinos votam na Dilma e depois vêm morar em São Paulo". Basta lembrar das aulas de geografia e geopolítica do colegial - o fluxo migratório referido ocorreu entre as décadas de 60 a 90, sendo que o próprio IBGE realizou pesquisa apontando a redução de emigrações nordestinas dos últimos anos justamente pelos consideráveis investimentos do governo federal na região, que passou a empregar a mão-de-obra ao invés de apenas fornecê-la.

Outro ponto interessante é a frase: "O gigante acordou e voltou a dormir". As manifestações de Junho de 2013 surgiram impulsionadas pela baixa qualidade dos transportes públicos e seu contínuo aumento de preço, abrindo espaço para demandas relacionadas à educação, segurança e saúde. Ficou claro que a população estava de fato insatisfeita com o ritmo de melhorias nos sistemas públicos, mas não podemos ser ingênuos e acreditar que tudo é culpa do governo federal, uma vez que este atua de maneira conjunta com os governos estaduais e municipais, não sendo, portanto, o único responsável por todas as mazelas do nosso cotidiano. Importante frisar que tais protestos nunca foram a favor de um governo conservador (como seria um eventual governo Aécio), mas houve clamor por maior combate à corrupção, justiça fiscal, descontentamento midiático e melhor gestão para aplicação do dinheiro público. Nós queremos mudanças, mas não aceitamos retrocesso e o que algumas pessoas falham em enxergar é que a equipe de governo tucana era constituída basicamente pelas mesmas figuras que administraram o Brasil há 12 anos. Há de se lembrar também da reeleição do Alckmin em primeiro turno no estado de São Paulo o que, na minha opinião, reflete a extrema tendência conservadora da população paulistana, que por si só dificulta a mudança.

Nossos embates, em geral, têm sido movidos pelo ódio, mais do que pelo bom senso ou pela paixão cívica que favorece a melhor tomada de decisões. Vi e vejo debates que raramente apresentam um viés democrático, antes, durante e após essas eleições. Quando uma pessoa expõe sua opinião, o outro contesta de forma a mitigar por completo o espaço para uma reflexão autêntica, se movendo pela indignação e desejando a opressão daquele que o indigna.

Aparentemente a sociedade brasileira se tornou maniqueísta em pleno século XXI. Escolher um lado e argumentar sem trazer nada de útil e construtivo só faz com que elevemos todos os problema de uma complexa sociedade como a brasileira a uma figura desmaterializada e distante. Nossos problemas são concretos - nossos discursos, abstratos. Na política não há melhor partido, melhor ideologia ou melhor governo que satisfaça a todos, em todos os âmbitos. Se nunca houve "nós" contra "eles", agora há menos ainda, num crescente problema de falta de patriotismo e senso de camaradagem em nossa sociedade.

Por fim, espero que sejamos coerentes com nossos pensamentos e ideais, mas que aprendamos a respeitar os daqueles que, por inúmeros motivos, nos é diferente. Que o embate continue, a luta por espaço e diversificação cultural e etnológica se propague, e que, justamente por isso, não retrocedamos socialmente. Que cobremos do governo, como cidadãos que somos, independente dos votos do mês de Outubro - isso é democracia. Não nos permitamos ser moralmente indigentes e frutos da intolerância. Lutemos para atingir a finalidade máxima de todos nós como brasileiros: melhorar o país para todos.


terça-feira, 7 de outubro de 2014

Eu escrevi e não contei.



poetas são apenas pessoas que
não são boas em se apegar às coisas
e a poesia é
a arte do desapego

é como uma rajada de ar fresco
prenúncio da catarse da alma
que já pede arrego

emoções que fluem através da caneta
dor escondida, escrita em tinta preta
curando o que há muito tempo fora mal enterrado

ouvi dizer que quando você conta os seus segredos para uma árvore
você vai encontrá-los mais tarde,
entre as páginas do seu livro favorito

mas eu escrevi teu nome na areia
sendo que a maré não conseguiu apaga-lo.
O oceano, desde então, se encontra apaixonado.